sábado, 17 de abril de 2010

Lauro Reginaldo da Rocha - Bangu

Colônia Agrícola do Distrito Federal no tempo da prisão de Lauro Reginaldo da Rocha-Bangu 
Bangu  era o nome de guerra do mossoroense Lauro Reginaldo da Rocha dentro do Partido Comunista Brasileiro. Foi ope-rário, sindicalista, militante político, Secretário Geral do Partido. Sofreu  várias prisões, onde viveu a experiência da violência até o limite da tortura, tudo em nome de uma causa: a causa do proletariado brasileiro. 
Nasceu em Mossoró no dia 17 de agosto de 1908.
Transcrevemos abaixo parte das memórias de Lauro Reginaldo 
da Rocha, capítulo em que ele dedica o período em que esteve preso na Colônia Dois Rios.

 A ILHA GRANDE


Fomos avisados da nossa ida para a Ilha Grande. A Ilha Grande, como presídio, tinha uma pavorosa fama. Em capítulo anterior destas memórias fizemos ligeiras referências ao pavor que a Ilha Grande inspirava aos presos comuns. Quanto aos presos políticos, meus irmãos Jonas Reginaldo da Rocha e Antônio Reginaldo Sobrinho lá estiveram por dois anos, quando vieram deportados do Rio Grande do Norte, juntamente com centenas de outros companheiros, após a revolução de 1935.




Era diretor do presídio naquela época, o famoso Canepa, que celebrizou-se pelas crueldade que infligia os presos em geral, que tinham a infelicidade de cair sob sua guarda. Presos comuns e presos políticos viviam sob regime forçado, obrigados a carregar vigas perigosamente pelas montanhas, sem ter em conta a constituição física e a saúde de cada um.
Jonas, com um pouco mais de resistência, conseguiu subsistir aos maus tratos. Toínho mais fraco, não resistiu e chegou a ser carregado nas costas pelo conterrâneo Epifânio Guilhermino que demonstrou na hora da aflição, o seu elevado espírito de solidariedade, o que fez reforçar a estima e o apreço que sempre tivemos por ele.



Toínho voltou da Ilha Grande com os nervos abalados, nunca mais recuperou a saúde, acabando seus dias tristemente, num hospício em Natal.
Entretanto, o mundo dá muitas voltas. A nossa ida agora para a Ilha Grande, já não inspirava pavor. O Brasil, como já foi dito, entrou na guerra ao lado das Nações Democráticas para combater o nazi-fascismo. Seria difícil prever qual a reação do nosso povo e dos pracinhas, após a vitória, diante da existência da ditadura do Estado Novo, com seus cárceres apinhados, com seus crimes e atrocidades. Não seria fácil fazer o povo entender essa contradição. Enquanto ele sacrificava sua vida para derrotar o nazismo na Europa, aqui mesmo em nosso país, se mantinha de pé uma ditadura implantada nos mesmos moldes nazistas. Além disto, as ruas das cidades estavam cheias de inscrições pedindo anistia e nas manifestações populares de todo o país, era esse o clamor das multidões.
O governo de Getúlio sentiu que chegara a hora de recuar. Transferiu os presos políticos para a Ilha Grande e entregou a direção do presídio ao Coronel Nestor Veríssimo, caudilho gaúcho, ex-participante da Coluna Prestes, o elemento indicado para abrir caminho à transformação democrática e à anistia.













Um transporte da Marinha nos levou à Ilha Grande. Ao desembarcar em Dois Rios, fomos recebidos na praia, por funcionários do presídio, que ali mesmo procederam a nossa identificação. Horas depois estávamos instalados nos alojamentos a nós reservados.
No dia seguinte, depois do café, os portões foram abertos e pudemos sair, ir à praia, passear pelas ruas. Só não podíamos sair da vila sem permissão.
Nos primeiros passeios ficamos conhecendo a figura curiosa do Coronel Nestor Veríssimo. Ele andava montado numa burra, pachorrento, e foi assim que o vi pela primeira vez. Gordo, estrábico, fala mansa, costumava quebrar a seriedade de algumas conversas com um palavrão chistoso. Diziam que tinha o corpo cheio de marcas de perfurações por balas. Era um tipo patriarcal, com fama de corajoso e justiceiro.
Os presos políticos da Ilha Grande (nacionalistas, socialistas e comunistas) se consultaram e tomaram uma resolução com referência a guerra que o Brasil estava enfrentando, sob a bandeira das Nações Unidas, contra o nazi-fascismo. De acordo com a resolução nós os presos políticos mencionados, nos colocávamos à disposição do governo brasileiro a fim de seguirmos, voluntariamente, para o front da guerra contra o eixo nazi-fascista. Finda a guerra, voltaríamos dispostos a cumprir normalmente, até o fim, as penas a que fôramos condenados.
O nosso oferecimento formal representava apenas uma tomada de posição, pois não tínhamos ilusões quanto a sua aceitação, não só pela absoluta falta de bases jurídicas, mas também por motivos discriminatórias de caráter ideológico, fáceis de imaginar.


A nossa decisão foi encaminhada através da direção do presídio. Entretanto, nenhuma resposta chegou até nós. Como fora previsto, a nossa proposta não foi sequer tomada em consideração.
Entre os “quinta colunas” presos na Ilha Grande havia um rapaz, brasileiro, tipão forte, carrancudo, que chamava a atenção pelos motivos de sua prisão. Ele tinha sido convocado para as fileiras do Exército e incluído no Corpo Expedicionário Brasileiro. Quando se aproximou a hora de embarcar para o front da Itália, ele deu um tiro no próprio pé, para fugir do seu dever. E de fato não embarcou, mas foi preso e processado. E se vangloriava do seu ato vergonhoso.
O Coronel Nestor Veríssimo, diretor do presídio, abriu a possibilidade de trabalho aos presos políticos. Os que voluntariamente quisessem, poderiam trabalhar, recebendo uma pequena remuneração. Essas frentes de trabalho constavam de serviços de pedreiro (construção de casas residenciais, sendo uma para hospedagem das visitas dos próprios presos políticos), carpintaria (construção de uma lancha no estaleiro existente), pintura, fabrico de carvão na mata próxima etc.
O trabalho remunerado era importante, especialmente para os que tinham família e não recebiam “montepio” ou qualquer outro rendimento. O trabalho em si permitia também, uma mudança para melhor no sistema de vida seguido até então, pois a maioria dos presos políticos vivia encerrada nos cubículos, fabricando quinquilharias, dormindo ou passando o tempo com jogos e bate-papos quase sempre inúteis.
Com o novo trabalho proposto, os presos passariam a ter uma vida mais sadia, ao ar livre, alguns teriam oportunidade de aprender uma profissão, outros de exercitar a que já possuíam. Aconteceu que certos líderes presumidos, que não tinham grande necessidades de dinheiro nem estavam muito habituados ao trabalho profissional, deram o contra. Muitos estranharam que alguém pudesse ser contra o trabalho. Uma coisa tão normal, tão necessária e mesmo imprescindível à vida do operário. Conjecturas surgidas daqui e dali atribuíam a ciúmes dos tais líderes, receio infundado de perderem o controle de seus liderados, que iam se afastar de sua proteção.
Foi convocada uma assembléia do coletivo para resolver o assunto. Nos debates, os inimigos do trabalho declararam finalmente, as razões de sua atitude. Segundo eles o trabalho proposto pelo diretor oferecia o seríssimo perigo de corromper alguns companheiros mais fracos. Por isso estavam contra. Esse conceito de fragilidade essa suspeitosa acusação lançada no ar desta maneira, indiscriminadamente, era vexatória e desconcertante.
O argumento em si era frágil demais e não foi difícil e réplica dos favoráveis ao trabalho. Disseram estes que trabalhar é um direito pelo qual lutam os povos em todo o mundo e que qualquer tentativa de impedir o exercício desse direito era uma violência. Mais grave ainda, era essa violência, quando partia de quem justamente devia defender e apoiar essa justa causa. Disseram mais, que o trabalho nunca foi meio de corrupção para o trabalhador e sim de subsistência. E sendo um meio de subsistência, tentar impedí-lo é mais do que uma violência, é uma ação desumana.
Quanto à corrupção, corrompe-se aquele que é corruptível e o corrupto, na sociedade capitalista, encontrará sempre meios de se corromper, quando bem o desejar. Se o trabalho fosse um fator de corrupção, que seria da classe operária, que vive do trabalho, seu único meio de vida? A discussão prosseguiu horas e horas a fio. Depois de três dias seguidos de calorosos debates a mesa teve que submeter o caso a votação. A maioria votou pelo trabalho. Os inimigos do trabalho não se conformaram com a derrota. Abandonaram o coletivo, mudaram-se para outra galeria e formaram um novo coletivo minoritário. Realizaram a cisão sem fundamento, desnecessária e ridícula.
Uma vez que não conseguiram “acaudilhar” a todos os companheiros, conformaram-se em ser chefes de uma minoria.
Trabalhou quem quis. Quem não quis não trabalhou. Porque ninguém foi obrigado a nada. E ninguém se corrompeu nem se desonrou para desespero dos falsos profetas. Quando houve a anistia, vi “trabalhista e não trabalhista” abraçados, na maior alegria. E mais tarde em liberdade, estavam novamente irmanados na mesma luta. As pequenas querelas desaparecem, sempre que há um ideal mais forte.
Um grupo de presos políticos em abaixo assinado, requereu ao Coronel Nestor Veríssimo permissão para que todo aquele que assim desejasse, pudesse morar com sua família na Ilha Grande. O requerimento baseava-se na existência de um antigo projeto de criação de colônias agrícolas para presidiários, no qual esta permissão estava incluída. Segundo nos informaram, o diretor do presídio levou o oficio diretamente ao presidente Vargas, tendo sido por este despachado favoravelmente.
Em vista desse atendimento, todos os presos políticos passaram a ter direito de mandar buscar suas famílias para a Ilha, com casa de graça para morar, podendo retirar semanalmente os gêneros alimentícios em espécie, correspondente à etapa a que um tinha direito como detendo. Viveriam fora do presídio, tendo apenas que se apresentar na portaria pela manhã e à tarde. E seus filhos podiam freqüentar a Escola Pública existente na vila.
Como já havia o direito ao trabalho parcialmente remunerado, ficariam assim com a subsistência garantida, modesta mais suficiente. O ofício solicitando a nossa moradia na Ilha foi assinado (se não me falha a memória) por Mauro, Brás, Azevedo, Bonfim, Epifânio Guilhermino, eu e outros.

Na margem do rio havia um velho edifício abandonado, que noutros tempos fora hospital. Nós mesmos, os futuros moradores, restauramos, pintamos e dividimos o casarão em apartamentos, cada qual escolheu o seu. O tenente França tomou posse de uma casinha desabitada que havia próximo à praia e, caprichosamente, transformou-a nem pequeno “bangalô”.
Antes desses preparativos eu já tinha consultado, por carta, minha família sobre sua vinda para a Ilha. A resposta afirmativa veio rápida e decidida. Agora era só aguardar.
Quanto aos recursos financeiros para a viagem, ficou por conta da “campanha de ajuda aos presos políticos e suas famílias”, que funcionava no Rio e nos Estados. Graças ao trabalho formidável de solidariedade encabeçado pelos abnegados companheiros Jorge da Silveira Martins, Fernando Lacerda e muitos outros, a importância suficiente foi arrecadada e enviada ao Rio Grande do Norte.
O difícil, para minha família era realizar essa viagem por terra, já que a vinda por mar era impossível, devido aos freqüentes torpedeamentos dos navios brasileiros pelos submarinos alemães. Estradas de rodagem, praticamente não existiam e uma viagem como essa na época, era uma verdadeira temeridade.
Minha mulher, com as três crianças, resolveu enfrentá-la. Arrumou a trouxa e se pôs na estrada. O filho mais velho tinha 6 anos de idade, o menor 5 e a menina 4.
Para se ter uma idéia do feito, vamos descrever o roteiro. Essa viagem, nos dias atuais, é uma viagem comum, de ônibus, e leva 4 ou 5 dias. Naquele tempo ela foi realizada da seguinte maneira: de Mossoró a Natal, em caminhão do Correio; de Natal a Recife de trem; de Recife a Petrolina num jipão do Exército; de Petrolina a Juazeiro na Bahia de barca; de juazeiro a Pirapora em Minas, pelo Rio São Francisco de gaiola; de Pirapora a Belo Horizonte ao Rio Janeiro de trem, idem; do Rio a Mangaratiba de trem; de Mangaratiba a Abraão (Ilha Grande), de Lancha (a balalaika); de Abraão a Dois Rios de ônibus.
Com mais de 2 meses de viagem, chegaram ao presídio da Ilha Grande, a mulher e os três filhos. Magros e queimados de sol, de fazer dó. Mas chegaram. Ainda com saúde, alegres e felizes.
A minha família, da mesma forma como as outras que iam chegando, já encontrou a casa pronta, com móveis improvisados e utensílios domésticos indispensáveis. Para isto favoreceu o espírito de solidariedade e ajuda mútua e também o fato de que muitos ali eram operários especializados. Tínhamos, de boa qualidade, marceneiros, pedreiros, pintores, mecânicos, ferramenteiros, além daqueles que tudo fazem e de tudo entendem um pouco e que são utilíssimos nessas horas. Tudo de graça, pelo sistema do cooperativismo.
Para garantir e reforçar a alimentação, já havíamos iniciado a criação de galinhas, patos e cabritos. Tínhamos ao lado da casa o rio que dava alguns robalos e bem perto estava a praia, onde a pescaria de arrastão nos fornecia peixes fresquinhos, quase sempre com fartura. O leite e as verduras vinham da vacaria e da horta do presídio. Aos domingos havia uma feirinha dos caipiras, onde podíamos nos abastecer por bons preços, de frutas e algo mais que nos faltasse.
As crianças se recuperaram rapidamente da longa viagem, ficaram fortes e foram entrando para a escola, à media que iam atingindo a idade. E assim ia transcorrendo a nossa vida de presidiários, agora amenizada com as novas medidas humanizadoras.
Entretanto, à tarde, quando parávamos de trabalhar, quando o sol começava a se esconder no horizonte, é que a gente fazia esforço para afugentar a tristeza e evitar a depressão. É que, por mais que procurássemos nos convencer de que tudo ia bem, não conseguíamos sufocar os nossos anseios de liberdade.
Não estávamos com nenhuma corrente nos pés (também pudera!), os “quadrados”, as “as salas de detidos” e as “solitárias” ficaram para trás. Mas estávamos numa ilha-Prisão.
Tudo corria normalmente. No Cassino dos Guardas realizou-se uma festa dos funcionários do presídio. O Coronel Nestor Veríssimo esteve presente. Depois que tudo terminou ele sentiu-se mal. Disseram que houve qualquer complicação relacionada com seus antigos ferimentos. A doença agravou-se rapidamente. Alguns dias depois estava morto.
Em substituição ao falecido, assumiu a direção do presídio o Major Coimbra, também gaúcho. O novo diretor manteve todas as regalias instituídas pelo seu antecessor, demonstrando boa vontade no tratamento com os presos políticos. Decididamente uma aura aprazível estava amenizando nossas penas. Sá faltava a anistia. Estávamos certos de que ela não tardaria a chegar.
Nas frentes de combate da grande guerra, começou a derrocada das tropas do “eixo”.
No campo decisivo da Europa, pelo leste, a fina flor do Exército nazista era tangida de roldão pelo Exército Vermelho. Pelo oeste, com a abertura da segunda frente pelos aliados, a fuga dos outrora orgulhosos representantes da pretensa raça superior era em sentido contrário, em direção a Berlim. No sul, no front da Itália, onde combatia a valorosa Força Expedicionária Brasileira, fechava-se o grandioso cerco. Só restava às feras nazistas o seu próprio covil, onde seriam definitivamente dizimadas.
19 de abril de 1945. Foi decretada a anistia ampla para todos os presos políticos no Brasil. Quando a notícia chegou ao presídio da Ilha Grande, embora já fosse esperada, a primeira reação que nos causou foi de perplexidade. Depois a realidade foi se formando aos poucos em cada um, até se transformar numa alegria geral, transbordante, incontida. Alegria de quem se sente renascer para uma nova vida. A festa espontânea, cada qual festejou ao seu modo, sem limites de tempo ou de programação. Um transporte da Marinha foi posto á disposição do diretor do presídio, para nos levar para o continente.
A situação de Adauta, esperando o bebê para aqueles próximos dias, nos tirou a chance de viajarmos todos juntos para a liberdade. Combinamos, então, que eu iria na frente, com todos os demais anistiados, a fim de providenciar o arranjo de nossa nova residência no Rio e dar os primeiros passos na procura de trabalho. Ela continuara por uns dias na Ilha com as crianças aguardando minha volta que seria breve. Assim combinado embarquei com todos para a grande cidade.
Quando desembarcamos no Cais do Porto, uma multidão festiva nos aguardava. Os que tinham família no Rio, foram recebidos e conduzidos por seus parentes. Os que não tinham, como era o meu caso, encontraram amigos e correligionários prontos para ajudar.
À minha espera e também do jovem nordestino Ademar, estava o saudoso Saul, companheiro de lutas dos velhos tempos. Ele nos recebeu com grande alegria e, depois de palavras animadoras, nos levou até o seu carro, a sua famosa baratinha. Dentro em pouco estávamos em sua confortável residência.
A minha maior dificuldade era para alugar uma casa. Naquele tempo, os proprietários, de imóveis exigiam altas luvas por um contrato de locação e eu como é fácil de se deduzir, saíra da prisão sem um níquel no bolso.
Mas o Saul tinha uma agradável surpresa para mim. Nos terrenos de sua mansão havia uma casa vazia, com dois cômodos, e ele a pôs à minha disposição até que eu pudesse me arranjar. Nela fiquei por dois anos, quando consegui mudar para uma casa própria, adquirida com muito trabalho e muito esforço.
Quanto ao emprego, o meu plano era recorrer a uma de minhas habilidades profissionais (desenhista, tipógrafo etc.), quando fui informado por um amigo de que havia uma oficina de maquetes na Av. Venezuela, de propriedade de Zanini. Este trabalho, dizia o amigo, seria o recomendado para mim, em vista da minha facilidade em assimilar esse tipo de atividade.
Fui no dia seguinte e fiquei conhecendo Zanini – essa figura humana excepcional, esse artista e arquiteto nato, no dizer de Lúcio Costa. No fim de um ligeiro papo eu já estava empregado. A oficina era bem montada, com uns 30 operários, dividida em setores especializados: desenho, pintura, corte armação e acabamento. Comecei como desenhista, realizando tarefas. Três meses depois passei a desenhar e a dirigir a confecção das primeiras maquetes. Um ano depois, eu era o encarregado de toda a oficina. Após dois anos, quando Zanini mudou-se para S. Paulo, montei meu próprio estúdio de maquetes.
Quanto voltei à Ilha Grande alguns dias depois da Anistia, já encontrei meu novo filho que nascera no dia 1º de maio. Na primeira lancha embarcamos para o Rio, eu e toda a família.
Aí começou tudo de novo. Fomos morar na casa que o Saul nos emprestara. É claro que não havia nada dentro dela, precisávamos de móveis, utensílios domésticos, roupas e alimentos.
Eu tinha diante de mim um desafio. E passei a trabalhar com denodo e entusiasmo, dia, noite, domingos e feriados: e me sentia feliz, como se as próprias dificuldades me empurrassem para frente e me encorajassem. O meu esforço visava apenas criar os meios suficientes para educar os filhos e manter a família dentro de uma padrão de vida razoável e digno. Com o decorrer do tempo eu ia conseguindo o meu propósito, a custa do meu próprio esforço.
O Partido estava agora com nova direção, numa fase de franco desenvolvimento, facilitado pela legalidade e pela euforia criada com derrota do nazi-fascismo e pelo surgimento de novos Estados Socialistas e novas democracias. Eu tinha a impressão de que eu não estava fazendo falta ao Partido, pelo menos não me tinham procurado, até então, para as “grandes tarefas”.
Pelo sim, pelo não, procurei estabelecer contatos com alguns dos novos dirigentes a fim de “oferecer os meus préstimos” e saber se eu podia ser útil em alguma coisa. Mas, encontrava sempre grande dificuldade em falar com esses companheiros, estavam sempre muito ocupados, num entra-e-sai apressado dos seus gabinetes de trabalho nas sedes legais do curto período de legalidade do partido. Tinham sempre reuniões, encontros e tarefas muito importantes, pediam para aparecer noutra ocasião.
Com receio de que pudesse estar importunando, não mãos os procurei. Aproveitei a folga que esses “mui ativos” companheiros bondosa e tacitamente me concediam e continuei o meu trabalho de organização partindo das bases, nos bairros, que já havia começado.
Lauro  Reginaldo da Rocha morreu no dia 4 de abril de 1991, aos 83 anos de idade, consciente de ter  dedicado a vida a uma causa justa.

5 comentários:

  1. Tenho 20 anos, portanto, não participei deste efervecente ambiente político retratado, mas me interessei pelo assunto quando assisti ao filme "400 contra 1", excelente produção nacional. No dito filme, que retratava a história do comando vermelho, aparecia a prisão de "Ilha grande", que pela forma como os presos políticos e comuns eram tratados, me chamou a atenção para saber mais sobre o assunto.

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  2. Obrigado pela visita entre em contato direto se precisar.

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  3. Este trecho é do LIVRO BANGU - MEMÓRIAS DE UM MILITANTE de Brasília Carlos Ferreira, vocêm tem alguma ligação com o protagoista do livro Lauro Reginaldo da Rocha?

    Mário Reginaldo

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    1. Olá,

      Mário!

      Gostaria de falar com Você.

      Raimundoreginaldo_5@hotmail.com
      83 996669411

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  4. O coronel Nestor era o meu bisavô, pai da minha avó Haydée Veríssimo. Gratidão por divulgar um pouco da sua história. Emocionada. Obrigada.

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