BIOGRAFIA DE NESTOR VERISSIMO
Infância e adolescência do caudilho gaúcho.
Nascido na cidade de Cruz Alta, Rio Grande do Sul, a 28 de abril de 1890, fez-se estimado desde a infância. Filho de um médico de excelente conceito naquela cidade e arredores o Dr. Franklin Verissimo da Fonseca e de Adriana Mello e Albuquerque Verissimo da Fonseca. Esse sobrenome por si só valia uma recomendação: “Verissimo”, dizem os gaúchos da serra, “é sinônimo de bom”. Teve adolescência turbulenta, chefiando, já então com seus pendores de caudilho, um grupo de rapazolas endiabrados como ele, e que hoje são entre outros, o jornalista Nestor Guimarães, o Dr. Arnaldo Melo, o advogado e diretor da Colônia Agrícola do Distrito Federal, Manoel Mostardeiro.
A população de Cruz Alta divertia-se com as estroinices de Nestor Verissimo. Só um morador achava-se de pôr fim a essa vida airada: o Dr. Franklin Verissimo. Exigia que o filho levasse a sério os estudos, como faziam seus dois irmãos, catedráticos da Universidade de Porto Alegre, os professores Fabricio Verissimo da Fonseca e Antonio Verissimo de Mello, tios do escritor Erico Verissimo. Mas Nestor, embora amando os bons livros desde a infância, tanto que revelava uma regular cultura de autodidata, levava sua curiosidade por onde bem entendia, rebelde sempre às disciplinas das nossas velhas casas de ensino. O Dr. Franklin perdeu a esperança de fazê-lo cursar uma escola superior. Mandou que voltasse de Porto Alegre, depois de mais um ano perdido, desembarcou-o na primeira parada antes de Cruz Alta, enviando-o a uma estância para trabalhar como peão. Mais tarde ele se tornou pedreiro e, entre outras construções, deixou como obra sua duas igrejas: a de São José em Tupanciretã, e a do Cadeado, em Cruz Alta.
Pertenceu ao Partido Liberal e participou heroicamente no posto de major do movimento federalista de 1923. Em 1925, participante da Coluna Prestes, então tenente-coronel, tinha 19 cicatrizes de ferimentos de combate, quando foi capturado. Permaneceu na prisão até 1927. Em liberdade, diante das perseguições sistemáticas da polícia, Nestor Verissimo refugiou-se na cidade de Libres, Argentina. De volta ao Brasil, participou da revolução de 1930, sendo um dos que prometeram, vitoriosos, amarrar os cavalos no obelisco do general Osório no Rio de Janeiro. E a promessa foi cumprida. Em 1938 aceitou a direção do presídio de Fernando de Noronha. Em 1942, na direção da Colônia Agrícola do Distrito Federal, na praia de Dois Rios, Ilha Grande, revelou-se um carcereiro exemplar.
Nestor Verissimo faleceu em 28/02/1944, antes de completar 54 anos, no mesmo dia em que nascera.
O CONVITE PARA FERNANDO DE NORONHA
Durante o Estado Novo, em 1938, a coragem e as qualidades humanas de Nestor Verissimo chegaram aos ouvidos do Presidente Vargas, que mandou chamá-lo para uma audiência particular. Nestor vestiu sua melhor roupa, fez o supremo sacrifício do colarinho e da gravata, e lá se foi, rumo ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
- Sente-se, coronel - disse o ditador, depois de apertar-lhe mão.
Nestor obedeceu, e Vargas foi direto ao assunto:
Preciso de seus serviços.
- Pois disponha. . .
- Estou informado de que o presídio de Fernando de Noronha anda numa verdadeira anarquia. O senhor é o homem indicado para endireitar, moralizar aquela ilha. Aceita o convite?
- Se o senhor permitir que eu leve comigo alguns homens de minha inteira confiança, aceito.
- Quantos?
- Vinte.
- Impossível. Vinte é demais. Dou-lhe dez.
- Presidente, preciso de vinte.
- Sinto muito, coronel, só posso lhe dar dez.
Sem alterar a voz, Nestor replicou:
- Pois então não vou pr’aquela bosta.
Mal pronunciou esta última palavra, caiu em si: estava diante do presidente da República. Ficou vermelho, remexeu-se embaraçado na cadeira. Getúlio Vargas, porém atirou a cabeça para trás e rompeu numa franca risada, que lhe saiu da boca com a fumaça do charuto.
- Está bem, coronel. O senhor tem os seus vinte homens.
Nestor levou vinte companheiros escolhidos a dedo para Fernando de Noronha.
A MUDANÇA PARA DOIS RIOS – ILHA GRANDE
Em setembro de 1939, as tropas de Hitler invadiam a Polônia, e a Grã-Bretanha e a França responderam à ocupação declarando guerra. É conhecida, com a entrada dos Estados Unidos na guerra em dezembro de 1941, a instalação de uma base militar estadunidense no Rio Grande do Norte, localização estratégica para a travessia do Atlântico, bem como o torpedeamento de diversos navios mercantes brasileiros.
Os reflexos da Segunda Guerra na Ilha Grande foram muitos. Em dezembro de 1942, o coronel Nestor Veríssimo, diretor da Colônia Agrícola de Fernando de Noronha, recebia um comunicado do gabinete do ministro da Justiça (Alexandre Marcondes Machado Filho) sobre a transferência do presídio de Noronha para a Ilha Grande.
Em fevereiro, antes mesmo de o Brasil declarar guerra à Alemanha e à Itália, a ilha de Fernando de Noronha foi transformada em território federal para que fosse utilizada como base militar durante a guerra (decreto 4.102, de 09/02/1942). A Colônia Agrícola de Fernando de Noronha foi, então, transferida para a enseada de Dois Rios-Ilha Grande, passando a ser denominada Colônia Agrícola do Distrito Federal (CADF), pelo decreto 4.103 de 09/02/1942.
O coronel Nestor Veríssimo assumiu a direção da Colônia Agrícola do Distrito Federal, na Ilha Grande, posto em que se manteve até 28 de fevereiro de 1944, quando faleceu e foi substituído interinamente pelo capitão Manoel Mostardeiro, seu antigo companheiro de juventude na cidade de Cruz Alta. O novo diretor, major Heitor Coimbra, só tomaria posse no dia 4 de setembro de 1944.
DIRETOR MODELAR DE DOIS PRESÍDIOS
Tantas são as voltas que o mundo dá, o rapaz boêmio foi trabalhador rural, depois pedreiro e construtor, comerciante, fazendeiro, participou ativamente das lutas políticas de seu tempo e findou os dias como diretor de dois presídios. Em 1938 aceitou a direção de Fernando de Noronha, atendendo a instância do governo e a apelos de amigos e companheiros de jornadas revolucionárias. Neste posto, e mais tarde, desde fevereiro de 1942, na direção da Colônia Agrícola do Distrito Federal, revelou-se o carcereiro modelar. Analisando a obra realizada por ele, o professor Lemos de Brito, presidente do Conselho Penitenciário e inspetor Geral das prisões do país, concluiu que se a alta administração encontrasse dez homens como Nestor Verissimo a prática da moderna orientação penal avançaria muito no Brasil.
Era um homem bom, justo, humano, que, não obstante isso ou por isso mesmo, compreendeu como podia ser útil à sociedade e a algumas centenas de homens, no desempenho de uma função ingrata, que as mais das vezes só atrai temperamentos sádicos, pelo gosto de torturar e tiranizar pessoas indefesas. Como carcereiro de um novo tipo, custodiou presos políticos inclusive alguns companheiros de outras lutas do passado. Mas não foi generoso apenas com essa espécie de detentos. Respeitando a todos os encarcerados, com seu alto conceito da condição humana, mereceu a estima de correcionais de todas as procedências.
Homem possuído até a morte pela paixão política de que deu provas de tantas batalhas, soldado da democracia, confiando no progresso de sua pátria e de todo mundo, ainda encontrava reservas de humanitarismo em seu coração, inclusive diante de presos que sabia seus adversários fanatizados ou corrompidos pela propaganda ou pelo ouro de Hitler, e que haviam conspirado e lutado contra a liberdade, contra o povo, contra a soberania nacional.
Era um homem perfeitamente à altura da civilização contemporânea, desta civilização que o fascismo tentou retroceder. Por isso, em sua câmara ardente desfilaram, compungidos, presos antifascistas, presos comuns, integralistas, e até representantes da galeria onde estão alojados na Ilha Grande, alemães, japoneses, italianos e brasileiros espúrios, condenados por atividades antinacionais. Por tantos homens saídos das prisões, tantas famílias de presos, tanta gente do povo chorava em seu enterro, no cemitério do Caju. Esse democrata puro, esse valente soldado da revolução, antigo preso político, peão de estância, pedreiro, construtor de igrejas, essa figura simplória que o Brasil perdeu, oferecia-nos mais um exemplo do que vale a escola de boa luta e de capacidade, seja qual for o posto que lhe confiem, um autêntico filho do povo.
UM ENIGMA.
Caía um aguaceiro daqueles que fizera o dilúvio universal, quando o enterro chegou ao cemitério do Caju, Rio de Janeiro. Pelo número extraordinário de coroas e pela presença de representantes do mundo oficial, figuras de relevo na política e na administração, delegação de organismos diversos deduzia-se que o morto era importante. Mas havia também no acompanhamento gente do povo, muita gente do povo, homens, senhoras, crianças, a maioria chorando.
O enigma ainda se complicaria mais com essa informação: estava sendo enterrado um diretor de presídio e aquela massa de pessoas tão emocionada se compunha em grande parte, de ex-presos, seus parentes, mulheres e filhos. Na trilha de supostos absurdos, descobriríamos que entre os antigos detentos se encontravam não apenas correcionais, mas, longas passagens pelas prisões políticas, fortalezas, navios, cárceres de todos os estilos.
Veteranos dos dois Cinco de Julho, da Coluna Miguel Costa-Prestes, de outubro de 1930, de todos os movimentos populares e antifascistas que agitaram o Brasil nas duas décadas anteriores à segunda guerra mundial.
Ex-presos políticos chorando a morte de quem os custodiou? Sim. E em prisões cujos nomes soam como tragédia ao nosso ouvido, tal o horror de sua tradição: Fernando de Noronha e Colônia de Dois Rios. A tremenda “ilha da morte”, trezentas milhas ao largo da costa pernambucana, e a “Colônia”, a arrepiante colônia da Ilha Grande, consagrada pelo folclore dos morros como o sétimo inferno, onde se cumulavam contra homens indefesos todos os tormentos.
Mais uma nota paradoxal, se as anteriores não chegam: o morto, diretor de Fernando de Noronha e Dois Rios, não se chamava Chico Chagas ou “Metralha”, não pertencia à família de esbirros que a história ferreteará. Seu nome era Nestor Verissimo, nome de um bravo soldado da revolução brasileira, tenentista de ótima cepa, leal, firme, consequente. Uma vida que merece ser contada, porque também ela faz luz sobre episódios marcantes de nossa época.
Fontes:
1) Jornal “Diretrizes” do Rio de Janeiro, datado de 23/03/1944.
2) Solo de Clarineta 1º - Álbum de Família 5 , Erico Verissimo – 1973.
3) Os porões da República -A barbárie nas prisões da Ilha Grande: 1894-1945. Myrian Sepúlveda dos Santos
*Agradeço a cooperação e ajuda de Oli Demutti Moura (Polaco)na formulação desse texto.
Dos 20 que acompanharam Nestor Veríssimo a Fernando de Noronha e depois também para Ilha Grande, meu pai foi um deles: JOÃO HENRIQUE DOMINGUES, que também lutou na Revolução de 30.
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