*Elane Rangel
Ainda hoje cedo, vasculhando o já surrado baú da minha memória, para livrá-lo do ataque das traças, saltou-me à lembrança um ato religioso que acontecia, de quando em quando, em Dois Rios, na Ilha Grande.
Refiro-me a uma procissão de fé cristã, que era realizada por parte da igreja local.
A princípio, a capelinha ficava localizada no alto de uma pequena inclinação, no limiar da estrada Colônia-Abraão. Posteriormente, mudou-se para o antigo prédio do GrupoEscolar João Pessoa, que, para tanto, sofreu uma reforma adequada.
O padre que celebrava as missas, em Dois Rios, vinha da paróquia de Angra dos Reis. Inicialmente vinha um frei por nome Hugo, que depois foi substituído pelo também frei Ângelo.
Quando a igreja ainda funcionava em seu local de origem, enquanto que os fiéis caminhavam, normalmente, pela estrada que dava acesso ao templo para assistirem às celebrações religiosas, eu e mais alguns meninos do lugar, querendo aparecer, cortávamos caminho, subindo por uma trilha muito íngreme e totalmente insegura, sem sequer um arbusto mais resistente que nos amparasse na subida. A vegetação era muito rala, quase que só de sape e capim melado.
Às vezes, nas descidas, eu chegava a sentir arrepios, ao escorregar aqui e ali pela trilha escarpada e escorregadia.
Qualquer desequilíbrio nosso poderia causar uma queda, até mesmo fatal.
Mas Deus sempre protege os inocentes, e nunca nenhum mal nos aconteceu.
Voltando à procissão, que é o assunto desta crônica, toda a vez que era realizada, eu me alegrava. Não pelo fato em si, pois para mim qualquer homenagem religiosa que não seja direcionada à Trindade Divina, é idolatria. Não que Maria Santíssima não seja merecedora de toda a nossa veneração, mas porque só se deve adorar a Deus.
Eu me alegrava pelo lado comercial do acontecimento.
Sempre que havia as tais procissões, eu era requisitado pelos fiéis, principalmente as senhoras da igreja, para fazer as lanterninhas que iluminariam o cortejo.
De posse de um pedaço de bambu, com mais ou menos 30 cm. de comprimento e que tivesse um nó, um pouco abaixo, eu dava início à construção da lanterna. Primeiramente rachando o bambu em tiras, até a primeira metade, na altura do nó, para, posteriormente, introduzi-lo uma espécie de argola de arame improvisada, que abriria circularmente as lascas do bambu, formando um círculo semelhante à boca de um balão. No centro era colocada uma vela e, por fora, forrada de papel de seda, comprado na janela da dona Estefânia.
Depois, era só fazer a entrega e conferir as merrecas.
E essa é mais uma história de tantas por mim vividas na antiga ilha dos meus sonhos, hoje dos meus pesadelos!
*Elane Rangel é filho de Octávio Rangel, antigo funcionário do Presídio
-A foto é da antiga capela de Dois Rios, hoje demolida, tirada por Cyro Manhães ´telegrafista do presídio, na primeira metade da década de 40 e tio do nosso contemporâneo Edison Manhães que gentilmente nos cedeu para publicação.
ver foto de frei hugo
Este é um blog despretensioso onde quero registrar, entre outras, o meu amor pela Colônia de Dois Rios. Sou filho de antigo funcionário do Presídio que deseja manter viva a história de Dois Rios, desde quando era uma fazenda de café até a instalação de presídios. Quero mostrar como vivia a comunidade formada por funcionários e seus familiares, postando imagens antigas, depoimentos, documentos e mostrando a situação da Colônia, hoje.
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