terça-feira, 6 de julho de 2010

Ilha Grande em Memórias, por Dennis de Almeida


Dennis de Almeida


                                                                                                                                                                 
COLÔNIA DE DOIS RIOS DÉCADA DE 40
"Discorrer ou mesmo historicizar sobre o papel das ilhas como local de isolamento dos marginalizados exigiria mais dados, mais espaço, e com certeza mais dedicação. Mas, para continuar, basta saber que a Ilha Grande é mais uma ilha-prisão como foram a famosa Alcatraz na baía de São Francisco, a Ilha do Diabo no litoral da Guiana Francesa ou o Château d’If no litoral mediterrâneo francês. Também é pertinente lembrar o próprio verbo isolar, parente próximo do latim insula que deu  origem ao italiano isola, ou seja ilha.
Localizada no Estado do Rio de Janeiro, a ilha ganhou já no século XIX status de lugar maldito quando o Império comprou duas fazendas na ilha, uma voltada para o continente, que viria a ser o chamado “Lazaretto”, usado na quarentena dos imigrantes que iriam para o Rio de Janeiro ou São Paulo. Este prédio viria a também cumprir o papel de prisão de 1893, com a detenção de participantes da Revolta da Armada, até sua implosão em 1963, por decreto do governador do antigo estado da Guanabara Carlos Lacerda.
A outra fazenda comprada, virada para o oceano, transformou-se em colônia penal em 1903. Esta é a prisão de Graciliano Ramos. Para se chegar neste lugar, era necessário atravessar a ilha por uma trilha que subia a montanha que separava os dois lados da ilha. Este caminho começava no pequeno povoado que servia de sede da ilha, chamado Abraão. Depois desta caminhada, encontrava-se a vila de funcionários e o presídio propriamente dito. A recepção não é das mais animadoras. O oficial responsável pelos presos é incisivo: “Vocês não vêm corrigir-se, estão ouvindo? Não vêm corrigir-se: vêm morrer”.


É neste lugar que Ramos teve maior contato com outros que, como ele, estavam ali por serem incômodos ao Estado Novo. Testemunhou torturas, abusos, roubos. Na sua descrição, Dois Rios foi, sem dúvida, o pior presídio pelo qual passou. A idéia de uma colônia penal onde se passava o dia trabalhando em plantações, criação de animais ou na construção de tijolos deu lugar ao horror do trabalho escravo.
Depois, vem a descrição da imundície, da fome, do constante cheiro de carne apodrecida. Percorre com a memória o caminho que lhe ficou marcado e desenha com letras o mapa para que possamos segui-lo. Um mapa cheio de intervenções, fora de escala e sem alguns pontos de referência esquecidos pelo cartógrafo. Como já disse, este mapa não é confiável, menos pelos limites da memória do que pela censura da qual esta obra foi vítima em sua origem, mas ainda assim é possível ler este mapa e, assim, viajarmos com Graciliano nesta peregrinação de horrores, em que somente a resistência do autor nos é dada como esperança diante de tamanha truculência."


Dennis de Almeida é historiador e  publicou esse comentário, em Paisagens da Crítica

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