A Ilha hoje
A vila principal ainda está lá. O Abraão, como é chamado hoje, é o principal ponto de partida dos passeios que percorrem toda a ilha. Lojas, agências de turismo, pousadas e restaurantes servem ao grande volume de turistas que chegam lá todos os dias. Falaria com grande prazer da viagem como um todo, mas esta não é uma resenha de uma viagem, ao menos não no sentido literal.
Na verdade, o que me impressionou foi a vila de Dois Rios. A trilha por onde Graciliano andou não existe mais, substituída por uma estrada de terra construída na década de 1940. Da última vez, levei quase três horas para atingir o final da estrada, ladeada por palmeiras imperiais que parecem se fechar em torno de quem chega.
Encontrei uma vila semi-abandonada, pois, segundo os moradores, quando antigos funcionários do presídio morrem ou deixam o local, as casas são entregues ao governo do estado que simplesmente as deixa definhar, com o mato ocupando quintais e invadindo a área construída. Poucas pessoas andam pelas ruas, quase nenhum comércio. Somente as poucas casas ainda conservadas quebram a sensação de estarmos andando por uma cidade-fantasma.
Quando se chega à entrada do presídio constata-se que ele não existe mais. Somente a ala de triagem, a fachada e alguns muros e guaritas sobreviveram à implosão de 1993, por ordem de Leonel Brizola, à época governador do Rio de Janeiro. Ao fundo é possível avistar os escombros dos pavilhões, mas não existe qualquer trabalho no sentido de conservar este local. Por quê?
Pierre Nora cunhou o termo “lugar de memória”, que seria “toda unidade significativa, de ordem material ou ideal, da qual a vontade dos homens ou o trabalho do tempo fez um elemento simbólico do patrimônio da memória de uma comunidade qualquer”. Não define bem o que é este presídio, sem dúvida um dos mais famosos do Brasil no que se refere a prisões políticas?
Então, qual é a razão do esforço de apagar os rastros desta história? Hoje a ilha é dividida em dois parques. O discurso sobre a preservação ecológica é repetido constantemente. O problema é que esta preservação não se estende à parte da história da ilha. Os piratas ganham espaço até em camisetas e outros suvenires. Com certeza vendem bem mais do que prisioneiros, políticos ou comuns.
Escrever sobre isto fez lembrar-me de um trecho de Incidente em Antares, de Erico Veríssimo. Ao final de um acontecimento que tornou impossível a continuidade da rotina da cidade de Antares, seus lideres acharam de bom tom reunir todos os esforços possíveis para apagar o acontecimento da memória das pessoas. Proibiu-se de comentá-lo, queimaram-se os jornais da época, reprimiu-se ao máximo qualquer tentativa de resgatá-lo. Deram o nome significativo de Operação Borracha a este esforço coletivo de esquecimento.
E não é que em um lugar com tão belas praias, e de dias felizes, não se pode presenciar uma Operação Borracha em curso há mais de 15 anos? Com certeza os censores que tiveram os originais de Memórias do Cárcere nunca teriam pensado meios tão eficazes para destruir um espaço de dissenso, de confrontação de idéias e, no caso, de memórias".
*Dennis de Almeida é historiador e já publicou comentário, em Paisagens da Crítica.
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