Dennis de Almeida
Memórias do Cárcere incomoda, incomoda muito, mas nos leva a viajar.
"Nesta obra, publicada postumamente em 1953, Graciliano Ramos faz um relato de suas passagens por presídios do Recife, Maceió e Rio de Janeiro, com destaque para a célebre colônia penal da Ilha Grande, no período entre Março de 1936 e Janeiro de 1937. Preso e solto sem qualquer tipo de acusação formal, o autor de Angústia (1936) e Vidas Secas (1938) se caracterizou como uma das vítimas do regime varguista (1930-1945).Um aspecto importantíssimo desta obra é sua elaboração. O autor de Vidas Secas escreveu diversas notas manuscritas desde os primeiros dias de prisão, mas a cada transferência, era obrigado a desfazer-se dos papéis. Por este motivo, abandonou por muitos anos o interesse de escrever o livro. Somente em 1952, já desenganado pelos médicos, iniciou a redação dos dois volumes, construindo-os apoiado em suas memórias. Não conseguiu, no entanto, concluí-los, faltando o capítulo final. Mesmo assim, o autor nos proporcionou uma leitura ao mesmo tempo rica e angustiante, pois se trata de obra imaginada e escrita diversas vezes, em que as sobreposições emergem no resultado final.
Também deve-se mencionar a interferência em sua obra do Partido Comunista Brasileiro, ao qual Graciliano era filiado desde 1945. De acordo com o crítico Wilson Martins, houve pressão do Partidão sobre a família de Graciliano para que o livro não fosse publicado. Martins ainda conta que o resultado do acordo entre as partes para a publicação do livro foi a “elaboração” de um novo “original”, com cortes e revisões cujos limites até hoje são ignorados. Anos depois, os filhos de Graciliano admitiram que o texto original foi adulterado por determinação do Partido.
Graciliano foi, portanto, vítima de uma dupla violência. Em vida, foi preso, torturado, roubado e privado dos direitos mais básicos de um cidadão. Depois de morto, teve a memória violada, esta que é uma das partes mais valorizadas de nossa consciência, justamente pelo partido a que se filiara.
A primeira agressão está impressa em Memórias do Cárcere. O constante confronto com a realidade crua presente em obras como São Bernardo e o já mencionado Vidas Secas se encontra ali, só que com o autor no papel de protagonista. A segunda está oculta por trás do próprio relato. Como Graciliano reagiria a mais esta brutalidade? Jamais saberemos, só nos restando mais este exemplo do quanto a luta pela liberdade e justiça dos discursos pode estar diametralmente oposta à sua prática."
Na foto da primeira metade da década de 40 aparece entre o Cassino e o Presídio, recém inaugurado, um dos galpões da antiga Colônia Correcional Dois Rios (CCDR)
Dennis de Almeida é historiador e já publicou comentário, em Paisagens da Crítica, sobre Gato preto em campo de neve (11 de Fevereiro de 2009).
Cyro Manhães ,o autor da foto, foi funcionário do Presídio da Ilha Grande onde exercia a função de Telegrafista.
Foto cedida gentilmente por Edison Manhães, sobrinho de Cyro e filho de Rubens Manhães , antigo funcionário do Presídio.
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